China in TownVida cultural – China in Town http://chinaintown.blogfolha.uol.com.br A vida do outro lado do mundo Thu, 14 Jan 2016 11:00:04 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Até logo, Pequim http://chinaintown.blogfolha.uol.com.br/2016/01/14/ate-logo-pequim/ http://chinaintown.blogfolha.uol.com.br/2016/01/14/ate-logo-pequim/#respond Thu, 14 Jan 2016 11:00:04 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/14342346.jpeg http://chinaintown.blogfolha.uol.com.br/?p=573 Outro dia, em um restaurante de Pequim, me perguntaram se eu queria beber água fria ou quente.

“Quente”, respondi feliz, pensando na sensação aconchegante de receber um copo de água quente em um dia tão frio.

Há pouco mais de um ano, quando me mudei para a China, o hábito chinês de tomar água quente durante as refeições me soava absolutamente esquisito. E perigoso, já que a água servida nos restaurantes vem no copo –ou seja, sabe-se lá de onde aquela água sai.

Comer de “kuaizi” (os dois palitinhos) ou de talher se tornou indiferente ao longo desse tempo; na maior parte das vezes, não me dou conta se estou usando um ou outro. Os pratos pedidos nunca chegam juntos numa mesa de restaurante, já nem espero para começar a comer.

Nesse tempo, aprendi a enfrentar o trânsito caótico de Pequim: primeiro como pedestre, depois como motorista e, por fim, ciclista. Ainda não consigo dizer qual é a forma menos agressiva (a mais estressante, certamente, é atrás do volante).

Viajar se tornou um prazer nos confortáveis trens chineses. Em trem rápido ou local, já cruzei esse país de Norte a Sul seis vezes. Em todas elas, carreguei minha lancheira para as longas horas da viagem, como sempre fazem os chineses.

Tive o susto inicial de não encontrar nada barato para comprar (não é tudo feito aqui?), para depois descobrir o que é barato e onde encontrar as pechinchas. Ah, sim, sempre barganhando, algo que exige uma paciência infinita.

No primeiro semestre, fiquei doente todos os meses. Depois aprendi onde comer e/ou me acostumei com os germes locais (talvez seja a tal da água quente?!).

As três grandes dificuldades da temporada, que se encerra agora: 1) A poluição que, de tempos em tempos, avança sobre Pequim e deixa todos deprimidos; 2) A língua, que exige muita dedicação para ser aprendida (e, sem ela, a vida se torna bem complicada); 3) A distância do Brasil, física e “psicológica”, digamos.

Os chineses com quem convivi foram calorosos, curiosos e relaxados, o que me faz pensar que são bem parecidos conosco brasileiros –sem falar no amor pelo futebol e por nossos jogadores. Por outro lado, alguns hábitos e a dificuldade da língua podem fazer alguém pensar que pousou em outro planeta.

Deixo Pequim no final desta semana, e a China segue sendo um mistério para mim.

Obrigada pela leitura!

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O fetiche chinês pelos pés http://chinaintown.blogfolha.uol.com.br/2015/12/21/o-fetiche-chines-pelos-pes/ http://chinaintown.blogfolha.uol.com.br/2015/12/21/o-fetiche-chines-pelos-pes/#respond Mon, 21 Dec 2015 13:33:36 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/14342346.jpeg http://chinaintown.blogfolha.uol.com.br/?p=563 Até o início do século passado, os homens chineses tinham atração por pés pequenos. Mas muito pequenos: de até dez centímetros.

Eram os “lírios dourados de oito centímetros” ou “pés de lotus”, conseguidos por meio de uma prática milenar e dolorosa em que os ossos dos pés de meninas bem pequenas (dois anos de idade por exemplo) eram quebrados. Os pés eram, então, enfaixados de forma bem apertada e colocados em sapatinhos coloridos e bordados.

Para a vida toda, essas meninas e mulheres caminhariam sem estabilidade e com dor, teriam que trocar as faixas e retirar partes de carne morta dos pés.

“Não apenas se considerava erótica a visão de uma mulher cambaleando sobre pés minúsculos, mas os homens se excitavam com eles, sempre ocultos sob sapatos de seda bordada. As mulheres não podiam retirar as faixam nem quando já estavam adultas, pois os pés recomeçariam a crescer. A faixa só podia ser afrouxada temporariamente à noite na cama, quando elas calçavam sapatos de sola mole. Os homens raramente viam nus os pés enfaixados, em geral cobertos de carne podre e malcheirosos quando se retiravam as faixas”, conta a autora Jung Chang, no livro “Cisnes Selvagens”.

Até a segunda década do século passado, quando a prática foi proibida na China, mulheres de “pés grandes” poderiam ter grande dificuldade para se casarem, o que fazia com que mães e avós obrigassem as meninas a enfrentar tamanho sofrimento.

O que parece tão ultrapassado incrivelmente ainda está vivo nas cidades chinesas. Em um trabalho recente, a fotógrafa inglesa Jo Farrell documentou algumas dezenas de sobreviventes dos pés enfaixados que moram no país –muitas vezes, presas em casa pela idade e pela dificuldade extra de locomoção.

Algumas das fotos da inglesa, impressionantes, podem ser vistas nessa matéria do “The Guardian”.

Um estudo publicado em 1997 no “American Journal of Public Health” avaliou os pés de 193 mulheres com 70 anos ou mais que moravam nos distritos centrais de Pequim. Do grupo de mulheres com 80 anos ou mais, 38% tinham os pés enfaixados; entre as com idades entre 70 e 79 anos, o percentual caía para 18%; e 33 das 193 mulheres tiveram os pés enfaixados quando crianças, mas eles foram liberados das faixas ainda cedo na vida delas.

Um vídeo curtinho no site do “The Telegraph” mostra uma senhora de 95 anos, em Pequim, cambaleando sobre seus pés pequenos e contando diretamente sua experiência.

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Diário de viagem – o caviar chinês http://chinaintown.blogfolha.uol.com.br/2015/12/12/diario-de-viagem-o-caviar-chines/ http://chinaintown.blogfolha.uol.com.br/2015/12/12/diario-de-viagem-o-caviar-chines/#respond Sat, 12 Dec 2015 12:00:35 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/14342346.jpeg http://chinaintown.blogfolha.uol.com.br/?p=554 A terceira parte da viagem pela China em busca dos ingredientes mais desejados da culinária internacional me levou ao lago Qiandao, cerca de duas horas e meia de carro de Hangzhou (Leste chinês).

No meio do “lago das mil ilhas”, envolto pela natureza mais exuberante que já vi na China, a empresa Kaluga Queen cultiva esturjões para a produção de caviar.

Esturjão cultivado em uma fazenda no lago Qiandao
Fazenda de esturjões no lago Qiandao, Leste da China (Edmond Ho/ divulgação)

Nessa fazenda, a Kaluga tem 5 mil toneladas de peixes, de diferentes espécies, com idades entre seis meses e 11 anos. Os peixes são levados ainda vivos para a região de Quzhou, onde fica a fábrica que processa e empacota o caviar. O processo de abrir a barriga do peixe para retirar as ovas, fazer a limpeza, adicionar sal e acomodá-las na embalagem leva 15 minutos.

A Kaluga começou a colocar o produto no mercado em 2006. Hoje detém 80% da produção de caviar da China, oferecendo cerca de 45 toneladas por ano de diferentes variedades. Metade da produção é de um caviar que chamam de híbrido (do cruzamento dos esturjões kaluga e amur) e que, segundo a empresa, vem de um peixe que só é cultivado na China.

Apesar da forte produção nacional, somente 5% do caviar Kaluga fica no mercado doméstico. Pode ser encontrado, por exemplo, no restaurante Opera Bombana, em Pequim, do premiado chef italiano Umberto Bombana. Ainda na capital chinesa, o caviar da Kaluga está no menu do restaurante Dadong, de uma rede famosa por servir o tradicional pato de Pequim. O hotel cinco estrelas Peninsula Shanghai também serve as ovas nacionais.

Terrence Crandall, chef executivo dos restaurantes do Peninsula, diz que optou pelo caviar chinês desde a abertura do hotel, em 2009. “No início, eu queria o caviar iraniano. Mas estava lidando com um fornecedor suíço, que também exporta o Kaluga. Testamos o caviar nacional e ele era muito bom.”

No jantar de abertura do Peninsula, foram servidos 75 kg de caviar. Nenhum tipo de caviar vendido pela Kaluga sai por menos de R$ 3.800 o quilo, sendo que o mais caro (o beluga) custa mais de US$ 25 mil o quilo.

Han Lei, vice-presidente para o mercado internacional da Kaluga, conta que teve que superar o preconceito que ronda todos os produtos chineses. “No começo, as pessoas não acreditavam que a China poderia produzir bom caviar. A Lufthansa, por exemplo, fez um teste às cegas e duas variedades do nosso caviar ganharam primeiro e segundo lugares. Aí eles começaram um negócio conosco.”

Crandall, o chef, me disse que o público chinês tem dado mais valor aos produtos nacionais por perceber que podem ter boa qualidade. E que o chinês gosta de ver itens de luxo na mesa, assim como gosta de grandes marcas de carros e roupas. “Trufas e caviar não eram consumidos na China. Como Ferrari e outras marcas, eles gostam de ver isso no menu.”

Essa viagem que me levou a três pontos do país em busca do caviar, trufas e vinho nacionais foi um convite do hotel Península Shanghai, que também me cedeu as fotos do fotógrafo Edmond Ho, do estúdio Jambu, de Cingapura.

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O “airpocalipse” chegou a Pequim http://chinaintown.blogfolha.uol.com.br/2015/12/01/o-airpocalipse-chegou-a-pequim/ http://chinaintown.blogfolha.uol.com.br/2015/12/01/o-airpocalipse-chegou-a-pequim/#respond Tue, 01 Dec 2015 10:00:08 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/14342346.jpeg http://chinaintown.blogfolha.uol.com.br/?p=547 Acordei esta manhã, dei alguns passos pela casa estranhamente escura, olhei pela janela e pensei “mas não tinha um prédio ali?”.

Tinha. Quer dizer, ele ainda está lá, mas “escondido” por uma neblina espessa e marrom. Segundo medições feitas pela embaixada americana em Pequim, o ar da capital chinesa está “mais que perigoso” desde ontem.

O “China Daily” informou que essa é a pior onda de poluição na capital, este ano.

Esta era a vista da minha janela na manhã desta terça (1º):

Vista da janela mostra densa neblina marrom impedindo a visualização dos prédios
Vista da janela no bairro de Chaoyang, Pequim, por volta das 7h de terça-feira (1º) (Johanna Nublat/ dezembro 2015)

Aqui a vista da mesma janela, num dia de ar limpo na semana passada:

Vista da mesma janela, na semana passada, mostra céu azul e diversos prédios
Vista da mesma janela, na semana passada (Johanna Nublat/ novembro de 2015)

Enquanto o mundo olha para Paris e para a COP21, por muitas horas entre segunda-feira (30) e terça (1º), Pequim registrou um AQI (índice da qualidade do ar) péssimo, superando 500, marca até onde a poluição costuma ser medida e divulgada pelo Twitter da embaixada americana. Às 21h de ontem, o índice alcançou 609.

Pela conta na rede social, a embaixada divulga, hora a hora, a concentração de PM 2.5 (partículas no ar pequenas o bastante para chegar aos pulmões e provocar danos) e o índice correspondente a essa concentração.

O ar é considerado bom com um AQI até 50; moderado de 51 a 100; ruim para a saúde para grupos sensíveis de 101 a 150; ruim para a saúde de 151 a 200; muito ruim para a saúde de 201 a 300; e perigoso de 301 a 500 –em todos esses casos quando considerada uma exposição de 24 horas sob tal concentração de partículas.

Quando o ar está “perigoso”, a sugestão é evitar todas as atividades ao ar livre.

E quando está mais que perigoso, o que fazer?

Ontem, quando a densa névoa já tomava conta da cidade, eu vi uma proporção maior de pessoas cobrindo o rosto com máscaras ou cachecóis, pessoas comprando máscaras e muita gente impressionada. Mesmo para os padrões poluídos da capital, a atual onda marrom choca.

De acordo com matéria do “China Daily” de hoje, a cidade de Pequim ordenou que 2.100 empresas do ramo das indústrias mais poluentes suspendessem seus trabalhos e que todas as obras fossem interrompidas.

Incrivelmente, ainda há quem se inspire entre tanta fumaça. O site Shanghaiist fez uma matéria sobre um artista chinês que passou 100 dias sugando o ar de Pequim com um aspirador de pó. Depois transformou toda a sujeira em um tijolo.

A previsão é que, a partir desta quarta (2), uma corrente de ar frio vinda do Oeste leve daqui a densa névoa. Até lá, boa parte dos habitantes de Pequim vai ficar em casa, trocar os filtros de seus purificadores de ar e olhar pela janela esperando novos ares.

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Diário de viagem – o novo vinho chinês http://chinaintown.blogfolha.uol.com.br/2015/11/30/diario-de-viagem-o-novo-vinho-chines/ http://chinaintown.blogfolha.uol.com.br/2015/11/30/diario-de-viagem-o-novo-vinho-chines/#respond Mon, 30 Nov 2015 12:00:37 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/14342346.jpeg http://chinaintown.blogfolha.uol.com.br/?p=542 No início de novembro, eu embarquei em uma inusitada viagem por três regiões da China, em busca de alguns ingredientes de destaque na gastronomia internacional: a trufa, o vinho e o caviar. No caso, todos “made in China”.

Num post anterior, falei sobre a primeira perna dessa aventura, a ida à província de Yunnan, em busca das trufas. O relato completo foi publicado pela Folha, na semana passada.

Nosso destino seguinte era o Norte do país, na região autônoma de Ningxia, de onde andam saindo os vinhos mais premiados da China –vieram dessa região 36 das 43 medalhas concedidas à China no prêmio Decanter Asia Wine Awards 2015.

Com a proximidade do inverno, os vinhedos temporariamente são enterrados no Norte da China
Com a proximidade do inverno, as videiras são temporariamente enterradas no Norte da China (Edmond Ho/ divulgação)

Deixamos a agradável Kunming (capital de Yunnan), no sudoeste chinês, para chegar numa fria e nublada Yinchuan (capital de Ningxia). A temperatura no Norte cai tanto durante o inverno, que as videiras precisam ser enterradas até que as temperaturas voltem a subir na primavera.

Yinchuan é uma cidade de avenidas largas, prédios novos imponentes e alguns bons hotéis. Um dos planos do governo local, desenvolvido nas últimas duas décadas, é aproveitar as terras para a produção de vinho.

Segundo me disse Hai Liu, proprietário da vinícola Legacy Peak, 74 empreendimentos já têm registro para produzir vinho na região, e outros 40 já estão em construção.

Os vinhos de Liu chegaram ao mercado, pela primeira vez, no ano passado. Hoje eles produzem três rótulos: um chardonnay, um cabernet sauvignon e um cabernet sauvignon com merlot. Em 2014, produziram 30 mil garrafas, mas pretendem dobrar a quantidade com o que estão fabricando este ano.

A família de Liu foi uma das pioneiras na plantação de cabernet na região, há 18 anos, com incentivo do governo e uvas importadas da França. Só em 2010, no entanto, ele resolveu parar de vender as uvas e começar a produzir seu próprio vinho.

Liu se aliou ao francês Edouard Duval, que tem uma importadora de vinhos em Xangai e é da família que produz o champanhe Duval-Leroy na França. Duval ajudou com o blend, os belos rótulos do vinho e é quem controla as vendas na China e, a partir desse ano, a exportação do Legacy Peak para Hong Kong e Europa.

Duval conta que a produção nacional de vinhos é majoritariamente focada no mercado doméstico, “que ainda quer as grandes marcas”. “É um desafio [atrair o chinês para o vinho nacional], é preciso convencer que agora há vinhos de boa qualidade.”

“O mercado na China só começou. Queremos orientar o consumidor chinês para o bom vinho”, concorda Emma Gao, proprietária da vinícola Silver Heights, uma das primeiras a chamar atenção para a região de Ningxia.

Antes de Liu ou Gao, no entanto, a região ganhou destaque na produção de vinhos em 2011, quando a vinícola Helan Qingxue alcançou o prêmio mais alto da Decanter, algo inédito para o país, com o vinho Jiabeilan Grand Reserve 2009. Foi quando Ningxia apareceu aos olhos do mundo.

Apesar desse crescente reconhecimento, realmente os vinhos chineses ainda são marginalizados nos cardápios dos restaurantes por aqui. Uma vez, quando perguntei pelo vinho nacional em um bom restaurante italiano em Pequim, ouvi como resposta que “ali, só havia vinhos bons”.

Outro porém a ser resolvido é o preço; o vinho chinês ainda é caro em comparação com os importados, explica Jean-Claude Terdjemane, sommelier do hotel cinco estrelas Peninsula Shanghai. O hotel foi o primeiro estabelecimento de destaque a incluir o Legacy Peak em sua carta de vinhos –lá, o cabernet com merlot é vendido pela taça a cerca de R$ 116.

Terdjemane me disse que é prioridade para o hotel servir bons vinhos chineses, que são bem recebidos principalmente pelos clientes estrangeiros. Ele ressalva, no entanto, que é preciso saber triar bons de ruins. “Parece ‘o Eldorado’: quando algo vai bem na China, todo mundo quer fazer.”

Senti muita falta, em Yinchuan, de uma estrutura das vinícolas para receber os turistas, sobretudo os estrangeiros. Seria uma grande viagem descer na cidade para fazer o tour dos vinhedos, comer o excelente carneiro da região –que tem importante população de muçulmanos chineses– e aproveitar a bela vista das montanhas Helan.

Liu, da vinícola Legacy Peak, me disse que poucos empreendimentos estão abertos para o turista –e eu diria que, para o estrangeiro que não fala chinês, a viagem é uma empreitada mais que difícil. Quem sabe para o futuro?

A imagem que uso nesse post é do fotógrafo Edmond Ho, do Jambu Studio, em Cingapura. Foi cedida via o hotel Peninsula Shanghai, que me convidou para a viagem.

 

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Diário de viagem – trufas na China http://chinaintown.blogfolha.uol.com.br/2015/11/26/diario-de-viagem-trufas-na-china/ http://chinaintown.blogfolha.uol.com.br/2015/11/26/diario-de-viagem-trufas-na-china/#respond Thu, 26 Nov 2015 10:29:32 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/14342346.jpeg http://chinaintown.blogfolha.uol.com.br/?p=535 Eu pousei em Kunming, capital da província de Yunnan, em uma segunda-feira no início de novembro.

Era minha primeira viagem à “cidade da eterna primavera”, no sudoeste chinês, terra de uma gastronomia particular e bastante famosa no país: comida apimentada, com uma enorme variedade de cogumelos e pratos mais leves e coloridos –o que a diferencia muito da pesada culinária de Pequim, por exemplo.

Ali meu objetivo era um tanto inusitado: procurar trufas.

A caçada às trufas fez parte de uma viagem mais ampla, que me levou a três regiões do país em busca dos ingredientes mais desejados da gastronomia internacional: trufas, vinho e caviar. No caso, todos “made in China”.

A Folha publicou, nesta quinta-feira (26), duas matérias sobre a rica empreitada, uma sobre os ingredientes e outra sobre a viagem em si.

Até semanas atrás, eu desconhecia as trufas chinesas. Não é um ingrediente que costuma estar presente no cardápio nacional e nem algo com que se esbarre com frequência nos supermercados.

Segundo me disse Serko Wang, um chinês de Xangai que comercializa as trufas de Kunming, o mercado doméstico para as trufas está crescendo, mas a maior parte das vendas dos últimos anos teve foco na exportação (no caso dele, para Alemanha, Espanha e França) e nos restaurantes ocidentais.

“A tradição chinesa não conhece a trufa, usa para dar para os porcos. Estamos tentando desenvolver receitas para nossos clientes chineses. Agora descobriram o tesouro e o negócio está feito”, diz ele.

Quem procurar sobre as trufas chinesas na internet vai encontrar muitos europeus bravos com elas. Muitos denunciam que o ingrediente chinês, mais barato, tem menor sabor e perfume e é indevidamente misturado às preciosas trufas francesas e italianas.

Acompanhei alguns agricultores na caça às trufas em uma mata de um pequeno vilarejo de Yuxi, cidade colada a Kunming. Wang explica que a trufa ali é selvagem, a Tuber indica. Um quilo do alimento é vendido a mais de R$ 1.000 no varejo.

A melhor época para retirar as trufas da terra, em Yuxi, é entre janeiro e fevereiro. Antes disso, o risco é colher um ingrediente insosso –a que eu provei lá, retirada da terra em novembro, deixaria os franceses e italianos bravos com razão.

Trufas colhidas em Yuxi, cidade próxima a Kunming
Trufas de um vilarejo da cidade de Yuxi, próxima a Kunming (Edmond Ho/ divulgação)

Wang conta que a terra que visitamos é livre para que qualquer pessoa procure pelas trufas, o que faz com que elas sejam recolhidas pelo primeiro que aparece e não dá o tempo adequado para o amadurecimento.

Terrence Crandall, chef executivo dos restaurantes do hotel cinco estrelas Peninsula Shanghai, diz que começou a usar as trufas de Yunnan há cerca de um ano, inicialmente pela dificuldade de importação do ingrediente europeu. Apesar da pressa na caçada, quando retiradas da terra no momento certo, continua o chef americano, elas são, sim, saborosas.

“A qualidade está melhorando, estão aprendendo a época certa de colher. O desafio parece ser esse”, diz ele.

Mata de vilarejo em Yuxi, cidade próxima a Kunming, onde podem ser encontradas trufas
Mata de vilarejo em Yuxi, cidade próxima a Kunming, onde podem ser encontradas trufas (Johanna Nublat)

Em Yuxi, caçar trufas é uma atividade econômica complementar e fica concentrada a uma época do ano apenas. A maior parte da renda dos agricultores vem mesmo do que eles plantam na terra, como legumes e frutas, e dos famosos cogumelos de Yunnan.

Visitamos a casa de Mao Xinping, 44, que tinha guardadas na geladeira algumas cestas de trufas encontradas nos dois dias anteriores a nossa visita. Perguntei se a família comia as trufas e como comia. Ele disse que, sim, comem quando têm vontade, e que cortam em fatias e refogam com pimenta chili.

Trufas de Yunnan podem custar mais de R$ 1.000 o quilo no varejo
Trufas de Yunnan podem custar mais de R$ 1.000 o quilo no varejo (Edmond Ho/ divulgação)

O chef Terrence, do Peninsula, nos serviu um jantar ao final de uma semana de viagem, quando voltamos a Xangai, ponto de partida e de chegada dessa inusitada exploração gastronômica.

A trufa de Yunnan foi uma bela surpresa na sobremesa do jantar: um sorvete de avelã e trufa, com espuma de chocolate e um toque de cacau. Aquela trufa, madura, tinha sabor.

Trufas de lado, a viagem também foi uma bela oportunidade para conhecer a enorme variedade de cogumelos da região, servidos refogados com carnes e legumes ou em sopas. Me marcou, em especial, uma sopa de cogumelos com caldo de frango, servida dentro de um bule.

Nos próximos dias, vou contar aqui no blog sobre os outros trechos dessa viagem, que me levou à nova região produtora de vinhos da China (Ningxia, ao Norte do país) e atrás do caviar nacional.

Duas das fotos usadas nesse post foram cedidas pelo fotógrafo Edmond Ho, via o hotel Peninsula Shanghai (que me fez o convite para toda essa viagem). Edmond é um fotógrafo baseado em Cingapura,  do Jambu Studio.

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Déficit de mulheres na China é quase “um Canadá” http://chinaintown.blogfolha.uol.com.br/2015/11/03/deficit-de-mulheres-na-china-e-quase-um-canada/ http://chinaintown.blogfolha.uol.com.br/2015/11/03/deficit-de-mulheres-na-china-e-quase-um-canada/#respond Tue, 03 Nov 2015 12:32:10 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/14342346.jpeg http://chinaintown.blogfolha.uol.com.br/?p=515 A China tem, hoje, quase “um Canadá” de homens a mais que mulheres. Essa diferença supera 33 milhões de pessoas, segundo informações já divulgadas pela imprensa chinesa.

Esse não é um desequilíbrio normal, apesar de ser seguido de perto por outros países –boa parte também na Ásia. A China tem, atualmente, a taxa de desigualdade de gênero no nascimento mais alta do mundo, diz uma análise divulgada, em 2014, pelo Unicef China (braço das Nações Unidas para a infância).

“Dados do censo indicam que a taxa que indica a proporção entre gêneros começou a ultrapassar a média global nos anos 1980 e vem crescendo constantemente desde então, passando de 109 homens nascidos para cada 100 mulheres em 1982 para 118 em 2010”, diz o documento do Unicef.

Especialistas atribuem esse desequilíbrio ao aborto e ao abandono de meninas por um período longo de tempo.

A década de 1980 é, justamente, a que viu ser estabelecida, na China, a política de filho único, em que a regra geral é permitir apenas um filho por casal. Exceções permitem mais de um filho, por exemplo, a depender do local de moradia da família (se na área rural ou urbana) e do número de irmãos dos pais da criança.

Na semana passada, o Partido Comunista Chinês anunciou que iria acabar com essa tão controversa política, autorizando dois filhos por casal como regra geral.

Há quem atribua esse desequilíbrio demográfico, pelo menos em parte, à política de filho único, que teria radicalizado a preferência já existente dos chineses por filhos homens. Existem várias teorias a respeito dessa preferência histórica: é o filho homem quem carrega o sobrenome da família; as mulheres tradicionalmente se afastavam de suas famílias, migrando para a do marido; famílias do campo preferem meninos para ajudar na lavoura; e os pais dependem dos filhos para sua aposentadoria.

Mesmo com a mudança na política de natalidade, anunciada há alguns dias, essa disparidade promete ser um grande tormento para o país. Além de questões econômicas, haverá um exército de homens em idade de se casar sem que haja candidatas em número suficiente.

Frente a essa questão, um professor chinês de economia provocou polêmica, no final do mês passado, ao sugerir o casamento entre dois homens e uma mulher. Segundo um post do blog “Sinosphere”, do “New York Times”, o professor explica que a abordagem é puramente econômica, o que não foi suficiente para evitar uma onda de críticas pela proposta ousada.

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Diário – 12 horas num trem chinês http://chinaintown.blogfolha.uol.com.br/2015/10/23/diario-12-horas-num-trem-chines/ http://chinaintown.blogfolha.uol.com.br/2015/10/23/diario-12-horas-num-trem-chines/#respond Fri, 23 Oct 2015 12:00:51 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/14342346.jpeg http://chinaintown.blogfolha.uol.com.br/?p=505 Troquei uma viagem de 2h30 de avião por um trajeto de 12h02 de trem entre Shenzhen (a fronteira chinesa com Hong Kong) e Xangai.

Das 10h45 às 22h47 de ontem, parei em 27 cidades antes de chegar a Xangai, num trem que andava a pouco mais de 200km/h (os trens mais rápidos por aqui circulam a cerca de 300km/h, mas não havia a opção nesse trecho).

Viajar de trem é uma autêntica experiência chinesa. No meu vagão, por exemplo, eu era a única estrangeira. Em toda a viagem, só vi mais dois gringos.

Digo autêntica porque é possível ver os chineses relaxados, comendo (muito), vendo vídeos, mexendo no celular, conversando, dormindo, brigando, chorando, roncando… ou seja, é uma oportunidade para bisbilhotar a cultura por muitas horas e de muito perto.

Em resumo, a viagem:

10h45 – A entrada no trem é uma confusão, com todo mundo querendo guardar as malas ao mesmo tempo e com pouco espaço para as bagagens grandes. Como sempre, o trem sai pontualmente. Pouco depois, uma funcionária passa vendendo potes pequenos de Häagen-Dazs.

Vista do trem na província de Guangdong mostra uma passageira olhando para o mar
Vista do trem na província de Guangdong (Johanna Nublat/ outubro de 2015)

11h45 – De repente, o trem se aproxima do mar, numa vista inesperada –sobretudo para quem está desacostumado de ver céu azul e dias bonitos. Morros de um lado, casas pequenas e tanques (de peixes?) de outro. A funcionária passa vendendo marmitas para o almoço. Quem não está dormindo está grudado no celular.

12h58 – O trem deixa para trás cidades pequenas e entra em uma cidade grande, com porto. A funcionária passa recolhendo o lixo do almoço num saco de lixo. Alguém ronca alto.

13h53 – Parados em uma estação. Mesmo em cidades modestas, as estações chinesas costumam ser grandes, de pedra (mármore/granito) e imponentes no seu estilo comunista. Para alegria de todos, desce o passageiro que roncava alto. A essa altura, respirar dentro do banheiro é para os fortes.

14h44 – Todos estão acordados e lanchando (pães e frutas). Já tem gente de pé no fundo dos vagões, esticando as pernas e carregando os celulares na porta do banheiro. A vendedora de sorvetes passa de novo, seguida por uma funcionária que varre o chão. O trem passa por mais uma cidade grande e por uma espécie de parque com castelos.

15h49 – Estamos em uma cidade de médio porte, plana. Parte das casas tem telhado tradicional, pontudos. A outra parte não é bonita. Vemos tudo sob uma luz do sol amarelada (já escurece cedo nessa parte da China). Os passageiros conversam, passa um carrinho vendendo bebidas.

16h38 – O trem passa por uma paisagem frequente no país: dezenas de prédios residenciais altos em construção. Nesse caso, conto mais de 30 gruas trabalhando em um aglomerado de edifícios quase prontos. Ao lado, mais de 40 outros iguais já estão terminados.

17h40 – Já é noite fora do trem; dentro temos aquela luz branca desagradável. Todos estão cansados, e o trem está quieto.

18h25 – Parados em Wenzhou, temos a maior renovação de passageiros durante a viagem. Eles entram “frescos”, enquanto os passageiros originais não querem pensar que ainda faltam mais de 4 horas até o fim da viagem.

19h25 – A funcionária passa vendendo pipoca de microondas já estourada. Não parece fazer muito sucesso. O cup noodles e as garrafinhas de chá são mais populares.

22h47 – Finalmente, chegamos. O trem está só 60% cheio. Talvez pelo cansaço geral, ninguém sai correndo de forma afobada, como costuma acontecer aqui no fim de viagens de trem ou avião.

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Como viver sem a mandioca? http://chinaintown.blogfolha.uol.com.br/2015/07/21/como-viver-sem-a-mandioca/ http://chinaintown.blogfolha.uol.com.br/2015/07/21/como-viver-sem-a-mandioca/#respond Tue, 21 Jul 2015 14:00:50 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/14342346.jpeg http://chinaintown.blogfolha.uol.com.br/?p=452 É difícil pensar a gastronomia brasileira sem algumas de suas estrelas, como o pão de queijo, a farofa, o bobó de camarão, a tapioca, a mandioca frita e tão variados tipos de bolos.

Todos esses que citei têm em comum o fato de conterem mandioca ou farinhas dela derivadas –o que não se aplica, claro, a todos os tipos de bolo.

Essa paixão nacional, digamos, fez a presidente Dilma Rousseff “saudar a mandioca” em um discurso que deu o que falar, feito no mês passado. Nas palavras da presidente, a mandioca é “uma das maiores conquistas do Brasil”.

Pois bem, os chineses não comem mandioca. Em Pequim, é possível encontrar polvilho e pérolas de tapioca em alguns supermercados. E olhe lá.

Mas, curiosamente, a China é o maior importador de mandioca, usada basicamente para produção de biocombustível e para alimentar animais. Não vou dizer que nenhuma mandioca é comida nesse país tão grande –até porque há, por aqui, uma pequena produção–, mas, se é consumida como alimento, é em uma pequena proporção.

Não ter a mandioca por aqui é, possivelmente, o principal “golpe” contra a comida brasileira nesse canto do mundo. Feijão preto e marrom, leite condensado, azeite de dendê (“palm oil”), leite de coco, arroz e cachaça são encontráveis. Algumas frutas (como goiaba e maracujá) e doces (como os derivados das nossas frutas), por outro lado, ficam na lista dos difíceis (ou também impossíveis) de serem achados.

Talvez por isso e pela enorme distância cultural entre a China e o Brasil, os chineses conhecem muito pouco da nossa gastronomia. Em Pequim, hoje, há um restaurante que serve churrasco brasileiro, e um outro que tem uma brasileira como chef-executiva e, assim, carrega algum toque brasileiro no cardápio.

Quem mora em Pequim teve a chance de ver um pouco da cultura e culinária brasileiras entre o final de junho e o começo de julho, com o festival gastronômico brasileiro, organizado pelo hotel Renaissance (que sediou o evento nesse ano), pela Latam e pela embaixada do Brasil.

O comando das panelas foi do chef Elia Schramm, do Laguiole (no MAM-RJ), que listou no cardápio versões de feijoada, moqueca, brigadeiro, barriga de porco, cheesecake de goiabada, bacalhau e churrasco.

Funcionários de agências de turismo de Pequim durante aula de culinária brasileira
Funcionários de agências de turismo de Pequim durante aula de culinária brasileira (Johanna Nublat/ julho de 2015)

Um momento diferente no festival foi uma aula de culinária brasileira para representantes das principais agências de turismo de Pequim. No cardápio estava a moqueca, que, como resumiu o chef, parece ser mesmo um prato simpático para o público chinês.

“Peixe, pimenta e arroz. Tudo o que o chinês gosta.”

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China só perde para Itália em termos de patrimônio mundial http://chinaintown.blogfolha.uol.com.br/2015/07/09/china-so-perde-para-italia-em-termos-de-patrimonio-mundial/ http://chinaintown.blogfolha.uol.com.br/2015/07/09/china-so-perde-para-italia-em-termos-de-patrimonio-mundial/#respond Thu, 09 Jul 2015 13:00:34 +0000 http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/14342346.jpeg http://chinaintown.blogfolha.uol.com.br/?p=439 Quem quer conhecer exemplos do patrimônio mundial deve ir para onde? Grécia, Espanha, Itália, França, México, Índia?

Esses países abocanham, respectivamente, 17, 44, 51, 41, 33 e 32 sítios entre os 1.031 registrados pela Unesco (Organização das ações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) como patrimônio mundial. O Brasil, como comparação mais próxima, tem 19 sítios.

Pois a China é número dois nessa lista mundial, com 48 sítios listados, atrás apenas da Itália. Até a semana passada, quando a Unesco incluiu as ruínas Tusi (no Sudoeste do país), eram 47.

Entre os locais chineses mais conhecidos estão a Grande Muralha, a cidade antiga de Ping Yao, o Palácio de Verão e o Templo do Céu em Pequim, e o centro histórico de Macau.

A lista completa está no site da Unesco.

Apesar de não haver nenhum sítio chinês inscrito como sob risco na lista da Unesco, há muita preocupação sobre a preservação de determinadas áreas do país, seja porque recebem muitos turistas ou pela pressão do desenvolvimento econômico.

Um exemplo é um patrimônio listado em 1999, o Monte Wuyi, “a mais destacada área para conservação da biodiversidade no Sudoeste da China e um refúgio para um grande número de espécies antigas, muitas delas endêmicas na China”, segundo o site da Unesco.

O Wuyi foi, justamente, o local escolhido pelo Instituto Paulson (que trabalha com desenvolvimento sustentável na China e nos Estados Unidos) como foco de pesquisa para um projeto da entidade com o governo chinês que tem o objetivo de criar um sistema nacional de proteção dos parques.

Segundo o site do instituto, o Monte Wuyi “representa muitos dos principais desafios e oportunidades que as áreas protegidas da China enfrentam hoje”.

A rede de proteção hoje montada na China cobre cerca de 16% do território do país, informa o instituto, mas há áreas importantes ainda não preservadas. Além disso, ainda de acordo com a entidade, há problemas de gerenciamento das regiões sob proteção e falta de financiamento adequado.

Há muitos anos, o país tenta desenvolver um modelo nacional robusto de proteção dos parques, mas sem muito sucesso até aqui. E, de fato, é algo preocupante frente ao desenvolvimento econômico do país e a tantas levas de turistas que invadem todos os espaços visitáveis da China.

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