O preconceito do lado de cá

Por johanna nublat

Outro dia, uma notinha em um dos jornais chineses chamou a minha atenção pelo absurdo da notícia: a denúncia de que algumas pessoas da cidade de Nanyang (província de Henan) estavam sendo ameaçadas a deixar suas casas, cujos lotes seriam usados em projetos imobiliários, por um grupo de pessoas que alardeavam ter HIV e teriam sido contratadas para afugentar os moradores.

A última notícia no site da Xinhua, agência estatal chinesa, diz que a polícia investiga o caso, que alguns suspeitos foram detidos e uma das empresas envolvidas foi fechada.

A notícia me fez ir atrás dos números da Aids na China para entender a situação do país. Vou fazer uma tentativa de comparar os dados básicos daqui com informações sobre a nossa epidemia no Brasil, já sabendo que será uma comparação rasa, que não vai levar em conta todas as particularidades de cada país.

Segundo dados fornecidos pelo Ministério da Saúde chinês à Unaids (braço da ONU contra a Aids), em 2012, estimava-se que 780 mil chineses viviam com HIV em 2011, o que significava uma prevalência de 0,058% da população com a infecção.

No Brasil, a prevalência é estimada pelo governo em 0,6% entre pessoas com 15 a 49 anos e 0,4% na população como um todo, taxa estável nos últimos anos. Até 2012, o governo brasileiro falava em 630 mil pessoas vivendo com HIV/Aids e, hoje, estima 734 mil.

Assim como o Brasil, a China enfrenta problemas no diagnóstico e registro de pessoas com a infecção. No relatório à Unaids, o ministério chinês disse que a estimativa para 2011 era de 48 mil novas infecções e 28 mil mortes relacionadas. E registrou, naquele ano, 39,2 mil casos e 21,3 mil mortes.

Em um artigo publicado no China Daily no final de novembro, Catherine Sozi, diretora da Unaids na China, diz que muito foi feito, mas ainda há muito o que fazer, e justamente nessa área.

Segundo ela, a China precisa “focar em ‘como’ alcançar pessoas que, atualmente, estão escapando pelas rachaduras e, com frequência, não acessando prevenção, tratamento e cuidado que salvam vidas”, em tradução minha.

No Brasil, o governo estima que mais de 100 mil pessoas tenham HIV e desconheçam sua sorologia –daí o esforço em ampliar a testagem e a necessidade de focar nos grupos tidos como mais vulneráveis, em que jovens homens que fazem sexo com homens são particularmente preocupantes.

Infecções nesse grupo chamado HSH (homem que faz sexo com homem) também despontam na China, segundo o ministério do país relatou à Unaids.

Para quem tiver interesse em se aprofundar na situação e nas respostas dadas pelos dois países à infecção pelo HIV, sugiro ver os relatórios da China e do Brasil enviados à Unaids no início de 2012.

Me parece que, nos dois países, um grande desafio é justamente derrubar o preconceito e alcançar quem precisa de ajuda. Até 2010, a China tinha em vigor uma norma que barrava a entrada de pessoas com HIV no país –a norma caiu, mas ainda hoje o governo exige testes de saúde, entre eles de HIV, para dar o visto a quem quer trabalhar ou estudar na China por longo período.

Para finalizar, aproveito para sugerir uma leitura sobre esse tema (incluindo a questão do preconceito), com o representante da OMS (Organização Mundial da Saúde) na China, Bernhard Schwartländer.