Sem dancinhas na rua, ok?

Por johanna nublat

Uma cidade quer estipular horários para danças na rua, liberando a prática apenas entre 7h e 9h e entre 19h e 21h, desde que com música em volume baixo. Outra proibiu as dancinhas nos dias do “vestibular” chinês, nas áreas próximas aos locais de prova.

Desavisada em minha primeira viagem à China, em 2013, achei muita graça de um grupo de senhoras dançando no parque ao som de um chinês que cantava com um microfone na mão. Que inusitado. Parei, filmei, tirei fotos.

Mas, desde essa curiosidade inicial, muitas outras vezes já me deparei com pessoas dançando em parques, calçadas e praças. No calor ou no frio de quase zero.

A vez mais impressionante foi em Xi’an (a cidade onde estão os guerreiros de terracota). À noite, uma das praças principais da cidade foi tomada por vários grupos que dançavam, ao mesmo tempo, músicas diferentes. De um lado, casais dançavam juntos; o outro grupo era formado por senhoras; um outro era só de jovens que dançavam algo como um “flash mob” super ensaiado.

E, hoje eu sei, as danças em lugares públicos são uma tradição de algumas décadas na China –para quem quiser ver, há vários vídeos no YouTube a respeito. E, pelo visto, uma tradição que tem provocado conflitos entre vizinhos –de fato, uma amiga já se queixou de danças (e músicas) matinais no parque em frente à casa dela.

Segundo Tong Chen, que fez uma tese de mestrado na Universidade de Ohio sobre o uso de espaços para danças e a recente urbanização chinesa, as danças se tornaram populares durante a Revolução Cultural (1966 a 1976), quando levas de habitantes das cidades foram forçadas a trabalhar no campo, onde dançar já era uma tradição em determinadas ocasiões.

E o autor explica que muitas das pessoas que participam, hoje, dessa atividade são da geração que viveu a temida Revolução Cultural.

Já em um artigo escrito para uma conferência em Harvard, em 2014, a jornalista Qianni Wang argumenta que as danças são populares não apenas entre quem viveu esse período em que a China foi comandada por Mao Zedong. De acordo com pesquisa da jornalista, a dança em locais públicos é um hobby nacional, uma atividade rotineira, feita no bairro onde as pessoas moram e, principalmente, por mulheres com idades a partir de 30 anos.

Para Wang, é fundamentalmente uma forma de sociabilidade. “Tal sociabilidade é gerada pela transformação das famílias, devido ao fato de que muitas dessas chinesas de meia-idade passam por casamentos problemáticos, o ‘ninho vazio’ ou situações de abandono, que provocam demandas emocionais, espirituais e sociais fora de suas famílias e seu casamento. A dança em público fornece uma participação social que libera ansiedades causadas pelo processo de individualização”, diz a autora, em tradução minha.

Há quem argumente, também, que essas danças são uma modalidade gratuita de esporte para manter a saúde de pessoas idosas ou uma manifestação de nostalgia pela ausência, nos dias de hoje, da sensação de coletividade que existia no início do governo comunista. Provavelmente, o hábito vem de uma mistura de todas essas explicações.

Seja o que for, é algo bem curioso por aqui. Para quem vier e tiver oportunidade de andar pelas ruas e parques das cidades chinesas, sugiro preparar a câmera (ou os passos de dança)!