Já no primeiro post desse blog, deixamos para trás o senso comum de que os chineses sobrevivem de comer escorpiões e cachorros, certo?
Avanço um pouco mais, agora, e digo: para o chinês, preparar a comida é uma arte complexa e incrivelmente cheia de detalhes, e comer está longe de ser só o ato de ingerir os alimentos necessários.
Nesse sentido, só consigo comparar a culinária chinesa à conhecida e respeitada tradição francesa da mesa.
Assim, esqueça a ideia (se é que você tem ela) de que a comida chinesa é um conjunto de carnes e legumes picados e fritos. Esqueça Jamie Oliver e suas comidas maravilhosas feitas em 15 minutos.
Na cozinha, o chinês busca a perfeição dos cortes. Por exemplo, não basta cortar o repolho em tiras retas; ele deve ser cortado em lascas diagonais, de forma a aumentar a superfície de absorção dos temperos misturados ao repolho.
Outra orientação curiosa para um ato tão cotidiano: enquanto estiver cozinhando o macarrão, adicione levas de água fria na água quente em que a massa cozinha, para diminuir a temperatura da água, permitir um tempo maior de cozimento da massa e um cozimento mais uniforme –ainda não testei essa dica.
Essa imposição de detalhes na cozinha faz com que muitos chefs sejam avaliados por sua destreza no uso da faca. Faca no singular mesmo, já que eles usam apenas um modelo, seja para descascar legumes ou desossar patos.
A CCTV, TV estatal daqui, fez uma série sobre a culinária chinesa em que destaca alguns aspectos mais peculiares. Em um dos vídeos, aborda justamente a destreza com a faca –não deixem de assistir a partir do minuto 19, quando o chef desossa três aves e recheia duas dentro da ave maior.
Outra área da cozinha chinesa que me encanta é a das massas. Nesse outro vídeo da série, a CCTV fala sobre a tradição de fazer bonecos de farinha e água. Um pouco mais à frente, mostra como é delicado esse verdadeiro artesanato de fazer dumplings (os bolinhos chineses, algo como as guiozas japonesas) e os diferentes tipos de macarrão.
No vídeo, vocês podem ver mais um exemplo de como os detalhes chegam a um nível extremo: um determinado bolinho deve ter 18 dobrinhas; do contrário, não fica bonito.
Além de me deixar com muita fome, esse vídeo do macarrão me lembrou do livro “On the noodle road” (2014), da jornalista sino-americana Jen Lin-Liu.
O projeto da autora relatado no livro é ousado: durante seis meses, ela pegou a estrada entre Pequim e Roma, passando por diversos países da chamada rota da seda, com o objetivo de descobrir onde o macarrão foi feito pela primeira vez.
Vou deixar os spoilers de lado, mas posso dizer que Lin-Liu encontrou as mesmas bases da massa, na forma de bolinhos (como os dumplings ou o ravioli) ou longos fios de macarrão nos diferentes lugares por onde passou.
Fico por aqui dessa vez, sugiro a leitura e os dois vídeos –e, para quem puder, a ida a um legítimo restaurante chinês.