O país dos que não têm irmãos

Por johanna nublat

“E você tem irmãos?” é uma pergunta que eu canso de fazer aos chineses jovens com quem converso, para logo em seguida pensar que a pergunta é indevida por conta da famosa política do filho único.

Também sempre me sobressalto quando vejo uma mãe chinesa puxando duas crianças.

Mas não é bem assim, e pensar que “os chineses” não têm irmãos é obviamente um erro (proposital, no caso do título deste post).

A política do filho único foi implementada, na China, em 1979. Naquele momento, o país era a casa de um quarto da população mundial, sendo que dois em cada três chineses tinham menos de 30 anos –e, assim, ainda teriam filhos.

Para complicar, a população tinha disponível 7% das terras cultiváveis do planeta, segundo informa o artigo “The effect of China’s one-child family policy after 25 years”, de 2005, de Therese Hesketh, Li Lu e Zhu Wei Xing.

Segundo os autores, de forma geral, a política de 1979 estabeleceu o limite de um filho por casal nas áreas urbanas e para funcionários do governo, com poucas exceções.

Quem vivia nas cidades, só poderia ter o segundo filho caso tanto o marido quanto a mulher fossem filhos únicos, algo pouco comum no país, no final do século passado. Outra exceção era para primeiros filho nascidos com alguma deficiência.

No campo, que, naquela época abrigava mais de 70% da população, a política era mais relaxada, permitindo um segundo filho caso o primeiro fosse uma menina e desde que houvesse um espaçamento de alguns anos entre um e outro. Minorias étnicas e pessoas que viviam em regiões despovoadas poderiam ter até um terceiro. Expliquei de forma geral, já que há variações locais na aplicação da política.

Quem descumpre essas regras está sujeito a multas pesadíssimas, impossíveis de serem pagas pela maioria dos chineses.

Entre 1979 e 2004, a China viu a taxa de filhos por mulher cair de 2.9 para 1.7, abaixo do índice para reposição populacional. E uma queda ainda mais sensível ocorreu, segundo os autores do artigo, nos primeiros anos da década de 70, quando uma primeira política de redução da natalidade foi aplicada, orientando as famílias a ter menos filhos, mais tarde e de forma mais espaçada.

Desde então, o governo calcula ter reduzido o número de nascimentos em 400 milhões –em uma população que passa, hoje, de 1,3 bilhão.

Em um texto publicado no ano passado, o professor de Harvard Martin King Whyte ressalva que a expansão econômica chinesa das últimas décadas, muito provavelmente, já teria o impacto de reduzir de forma importante as taxas de filhos por mulher.

“As relativamente baixas taxas de fertilidade, hoje, na China se devem menos à implementação forçada da política de filho único, e mais aos incentivos normais produzidos pelo aumento de renda e de nível educacional”, diz ele no texto.

Talvez seja desnecessário lembrar que a política do filho único é vista, por muitos, como uma aberração, causa de desequilíbrio entre o número de homens e mulheres, e desrespeito de direitos humanos por práticas associadas a ela –como abortos e esterilizações forçados, assassinato ou abandono de meninas recém-nascidas, etc.

Esse mês, foi noticiado que a flexibilização da política do filho único, feita pelo governo chinês em 2013, atraiu pouco interesse dos jovens casais chineses. Segundo a nova regra, podem ter o segundo filho casais em que a mulher ou o homem (e não mais ambos) é filho único.

Na avaliação do professor de Harvard, de qualquer forma, essa flexibilização teria pouco impacto demográfico, pois seriam poucos os casais elegíveis (já que, muitas vezes, tanto a mulher como o marido não têm irmãos) e não há mudanças para quem vive no campo. Assim, o grande avanço anunciado, continua, é político e simbólico.

Esse assunto tem inúmeras ramificações, sociais, econômicas, de comportamento. Não mencionei, por exemplo, a dor e o desamparo dos pais que perderam o filho único, ou a gigantesca pressão exercida pela família sobre o único filho (e único neto). Prometo voltar ao assunto.