Ver a violência doméstica como um assunto privado da família e, por isso, fora das prioridades nacionais é o que tem atrasado em mais de uma década a publicação de uma “Lei Maria da Penha” chinesa, avaliam especialistas.
“As pessoas evitam [abordar o assunto]. Quem toma decisões não vê a violência doméstica como prioridade”, disse a ativista Feng Yuan, integrante fundadora da Rede Anti-Violência Doméstica, nesta quinta-feira (26), em um painel de especialistas sobre o assunto.
A discussão de quinta girou em torno da proposta de lei lançada pelo governo chinês, no final do ano passado, que, se aprovada, pode se tornar a primeira lei chinesa voltada especificamente para o combate da violência doméstica. Ainda não há data certa para a votação.
Como escrevi em outro post, o texto é amplo e abarca a violência cometida contra crianças, idosos e deficientes. À semelhança da nossa lei brasileira, a proposta chinesa quer estabelecer medidas protetivas à vítima, como a imposição de uma distância mínima entre ela e o agressor.
“É uma lei contra a violência doméstica, mas não está escrito nenhuma vez que é ‘para proteger as mulheres'”, reforçou Feng Yuan.
Cai Yiping, outra ativista da área que participou do painel feito em Pequim, classificou a proposta do governo como “uma fruta ainda não madura”. “É azedo. Você fica empolgada [ao ver a fruta], mas quando prova parece que algo não está certo.”
Uma das principais preocupações das ativistas é a praticidade da futura lei, como a definição de mecanismos de coordenação entre diferentes autoridades e regras claras a serem aplicadas.
“Qual é o objetivo da lei? Proteger a ‘harmonia da família’ ou proteger o indivíduo que integra uma família?”, provocou Cai Yiping.
De forma geral, especialistas da área comemoram a divulgação da proposta de lei pelo governo chinês. Mas, além das questões sobre a aplicabilidade da regra, há outras críticas já feitas ao texto, como a definição restrita de família (não abarca pessoas não casadas ou casais do mesmo sexo) e a falta de menção à violência sexual.
Em um outro post, fiz uma entrevista com Julie Broussard, chefe da ONU Mulheres na China, em que ela aprofunda os poréns ao texto.
No painel desta quinta, Broussard comparou a prática da violência doméstica –que alguns estudos estimam ter prevalência de 25% na China, como em outros países– a doenças que mobilizam o mundo.
“Se 25% da população tivesse Ebola ou SARS, as pessoas estariam indignadas.”
Um dado curioso sobre a China é que estudos já feitos por aqui não apontaram influência do consumo de álcool na prática da violência doméstica. Segundo Broussard, aparentemente aspectos econômicos têm peso maior nesse ato por aqui.