Já falei aqui, em outro post, sobre o charme dos hutongs de Pequim, espécie de bairros tradicionais com alamedas apertadas e casinhas semelhantes entre si, construções que podem ter até 300 anos.
De alguns anos para cá, lojas alternativas e moderninhas, restaurantes e bares surgiram em parte desses hutongs, como Nanluoguxian, a região de Gulou e Qianmen, pontos turísticos obrigatórios em Pequim.
Casas restauradas em hutongs também passaram a atrair estrangeiros, que querem viver “uma experiência autêntica” na cidade.
A questão, no entanto, é que a estrutura das casas nos hutongs, de forma geral, é bastante precária: elas não têm bom isolamento térmico, não têm banheiros –há banheiros públicos nas vielas entre as casas, sem chuveiro– e, muitas, não passam por reformas há bastante tempo.
E, apesar de existir um movimento a favor dos hutongs, digamos, Pequim perdeu uma boa parte deles nos últimos anos para ceder espaço a novas avenidas e prédios –como já publicou a Folha em uma matéria de 2004.
Alguns grupos têm se debruçado sobre soluções para essa tensão entre o antigo e o novo/prático. Uma delas foi desenvolvida pelo People’s Architecture Office, para a semana de design de Pequim de 2013, e aplicada em uma propriedade na região de Dashilar (a 10 minutos da Praça da Paz Celestial).
Antes de contar sobre o projeto, que se chama Courtyard House Plugin, explico como são essas propriedades. De forma geral, são espaços em que podem viver quatro ou até 12 famílias, em casas térreas reunidas em volta de um pátio comum, tudo cercado e separado da rua por uma porta.
Na propriedade de Dashilar, por exemplo, vivem hoje duas famílias, cada uma ocupando cerca de 25 metros quadrados, sem banheiro e com uma cozinha improvisada –e só uma dessas propriedades vale cerca de R$ 700 mil, segundo a dona.
Atravessando o pequeno pátio interno dessa propriedade, está a área que passou pela intervenção do escritório de arquitetura.
Como vocês podem ver, a “casca” do hutong foi mantida, com estruturas de madeira e os tijolos. E, dentro, foi construída uma outra casa. Como explica James Shen, do escritório de arquitetura, é uma casa dentro de uma casa.
A ideia é poder instalar banheiros e uma cozinha (se for o caso), melhorar o isolamento térmico e os revestimentos de forma barata e rápida, mas mantendo o que for possível da estrutura que já existe.
Segundo Shen, eles desenvolveram materiais pré-fabricados e tecnologia que permitem “montar” a nova casa com uma só ferramenta e em um dia de trabalho –em comparação com uma reforma padrão que pode levar três meses ou mais. O preço da reforma também cai pela metade, ele diz, saindo por cerca de R$ 1.400 o metro quadrado nesse projeto –preço que, segundo ele, deverá cair com produções em larga escala.
Ainda dentro de proposta piloto, custeada pelo governo, o escritório planeja adaptar cinco ou seis outras propriedades até maio. E, possivelmente, mais algumas até a próxima semana de design, em outubro.
Shen explica que a intenção do projeto é reverter a tendência de abandono das propriedades –segundo ele, vários hutongs dessa região estão abandonados e fechados hoje, à espera de algum bom negócio no futuro ou simplesmente pela falta de recursos para investimento em uma reforma adequada.
Será interessante ver o que será feito dos hutongs em algumas décadas. Vamos ver se eles vão se manter como os espaços vivos e cotidianos que são, com vendedores de ovos e verduras na rua, e crianças correndo pelas alamedas; ou se vão virar uma espécie de museu, parcialmente preservados para servir de atração para quem passeia por Pequim.