Após anos de pressão nacional e internacional, no fim de 2014 a China anunciou que deixaria de utilizar órgãos de presos executados nos transplantes realizados no país, medida que entraria em vigor em 1˚ de janeiro deste ano.
À época, o governo chinês já deveria imaginar que “o buraco” deixado por essas doações seria grande.
Como já escrevi aqui anteriormente, um artigo publicado em “The Lancet”, em 2011, estimou que cerca de 60% dos órgãos transplantados na China vinham de pessoas executadas –prática que fazia da China o único país a “usar sistematicamente órgãos de presos executados em transplantes”.
Essa captação de órgãos dos presos era extremamente criticada por associações de médicos e de direitos humanos, que questionavam a forma de autorização para a doação e até a decisão sobre quando executar o prisioneiro.
Pouco mais de cinco meses sob a nova regra que baniu essa polêmica prática, o jornal local “China Daily” descreve uma situação crítica para quem depende de transplantes no país, revelando o grande desafio que a China tem pela frente para alavancar as doações voluntárias.
Em uma matéria publicada na última quarta-feira (20), um cirurgião relata que costumava fazer mais de 200 transplantes de fígado por ano num hospital de Pequim, mas realizou apenas 10 desde o começo do ano.
Segundo o jornal, estima-se que 300 mil pessoas precisem de transplantes a cada ano na China, mas apenas 10 mil cirurgias são realizadas. E, apesar de esforços terem sido feitos pelo governo para ampliar as doações voluntárias das famílias e de esse número ter crescido, ainda é pouco perto da necessidade.
No Brasil, o governo também vem tentando ampliar a doação de órgãos e a eficiência de todo o processo. Entre as medidas anunciadas nos últimos anos, por exemplo, estão acordos com as empresas aéreas para garantir o embarque ágil dos órgãos, e a parceria com o Facebook para que o usuário declare, na rede social, se é ou não doador –o que poderia facilitar a autorização das famílias para uma eventual doação.
Mesmo assim, segundo a ABTO (Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos), a recusa das famílias brasileiras ainda é grande, chegando a 43% dos casos.
No ano passado, a entidade apoiou uma campanha bem interessante sobre doações, tocando justamente na questão cultural sobre doar ou não –questão que, pelo visto, atravessa o globo.