Quando elas ficam “pra titia”

Por johanna nublat

“Há dois anos, conheci um cara [chinês] em Sanlitun [bairro rico de Pequim]. Ele tinha uma casa grande e um Porsche. Ele me disse: ‘Estou atrás de uma mulher. Se você se sair bem, pode ser você’.”

“Depois de um ‘encontro às cegas’, eu disse para a minha tia que o cara não fazia meu tipo. E ela me disse:  ‘Mas você sabe que os casais não conversam muito entre si, né?’.”

As duas histórias são contadas pela chinesa Yolanda Wang, que, este ano, entra ainda solteira na casa dos 30 anos –o que faz dela, na China, um natural alvo de pressão social para o casamento. Esse “bullying” é, justamente, o tema da peça “The Leftover Monologues”, da qual Wang participa.

Montada pela jornalista norte-americana Roseann Lake, a peça reúne mulheres (e alguns raros homens) que apresentam um depoimento pessoal (e cômico, de forma geral) sobre a dificuldade de entrar na casa dos 30 ainda solteiras.

Pérolas de outras personagens (relatadas pela jornalista na semana passada, em um encontro em Pequim sobre a peça):

“Se comporte como a Mona Lisa”, aconselhou o pai, preocupado com as gargalhadas marcantes da filha.

“É bom aprender francês para parecer romântica.”

“Meu pai é como um técnico de futebol. Sobre arrumar um marido, ele me fala: ‘Vai! Vai! Vai!’.”

Quando trabalhava como correspondente em Pequim, Lake fez uma pesquisa aprofundada sobre a pressão sobre as jovens chinesas que se aproximam dos 30 anos sem um pretendente. Depois de ouvir mais de uma centena de depoimentos a respeito, a jornalista montou a peça e escreveu um livro –que deve ser lançado no próximo ano.

Uma primeira pergunta seria “por que essa aparente falta de homens num país em que eles sobram?”. Segundo Lake, em 2020, a China vai ter uma sobra de 30 milhões de homens em idade de casar.

Mas, explica a jornalista, essa “sobra” se concentra nas regiões mais pobres e rurais do país –reforçada pela política de filho único e a consequente preferência por filhos homens–, enquanto que as mulheres mais educadas e engajadas na carreira –que costumam ser as que “ficam para tia”– estão nos grandes centros urbanos.

Para completar, diz ela, ainda pesa o fato de a cultura empurrar os homens para casar, cultural e financeiramente, “para baixo” e as mulheres “para cima” –e, no caso da mulher rica e bem-sucedida no trabalho, “casar para cima” pode significar uma escolha bem restrita.

A peça, cujo nome faz referência ao “Vagina Monologues”, já foi encenada algumas vezes em Pequim, desde o ano passado. A próxima apresentação vai ser em Xangai, no dia 31 de maio.