Do país das bicicletas ao caos “comportado”

Por johanna nublat

O motorista qualificado deve não apenas ser tecnicamente apto mas também, e mais importante, ter hábitos bons e éticos na direção. Certo ou errado?

Quando encontrar uma rua com trânsito pesado, a forma correta de lidar com a situação é: A) Encontrar espaços e ultrapassar um veículo de cada vez; B) Abrir caminho; C) Buzinar para que o carro da frente acelere; ou D) Parar e esperar em fila?

As questões, cujas respostas corretas são “certo” e “D”, estão entre aquelas feitas aos candidatos a motorista em Pequim. Mas, se eles acertam na teoria, na prática a conversa é outra. Na prática, aqui o motorista mais se defende dos outros do que anda para a frente.

Com mais de 5,5 milhões de veículos motorizados nas ruas –número próximo da frota de carros da capital paulista– e outros milhões de bicicletas, “tuc-tucs”, motinhos e bicicletas elétricas, juntos e misturados, a capital chinesa é um verdadeiro caos no quesito trânsito –assim, talvez a pergunta devesse ser “mais importante é ter bons hábitos e coragem?”.

Dirigir, na China, é uma prática relativamente nova. No livro “Red China Blues” (ótima leitura, aliás), a jornalista sino-canadense Jan Wang conta que, em 1981, Pequim só tinha 20 carros privados. Segundo dados do “China Daily”, além desses 20 carros (!), existiam cerca de 100 mil veículos em geral, de transporte público ou oficiais, na capital.

Uma foto do exército de bicicletas de Pequim ao lados da frota de ônibus, no início dos anos 80, pode ser visto no Tumblr chinaandchange.

Agora, calcula-se que existem 63 carros em Pequim para cada 100 residências –o maior índice do país, o que já desencadeou medidas como adoção de rodízio, aumento do preço dos estacionamentos e sorteio para compra de licenças para carros na cidade.

Mas, voltando ao trânsito, eu diria que apesar da falta de experiência e da quantidade enorme de carros, o caos é até bem comportado. Isso porque, primeiro, raramente os carros andam em altas velocidades –até pelo trânsito constante, é difícil passar dos 60 km/h.

Em segundo lugar, todos os veículos não motorizados devem andar na sua própria faixa –o que nem sempre é possível, já que muitos carros estacionam nessa faixa. Mas essa separação, pelo menos, impede a prática mortal das nossas cidades: motinhos não andam nos corredores entre os carros.

Por fim, e mais curioso, é que parece existir um combinado entre todos esses diferentes atores do trânsito, o de que tudo é permitido desde que você vá em velocidade baixa e não atropele ninguém. Sendo assim, ninguém vai buzinar se você fizer o retorno em local impróprio, estacionar na faixa do ônibus, andar na contramão (da rua ou da faixa para bicicletas), subir na calçada, etc etc etc.

A única coisa imperdoável para as buzinas de Pequim é ficar parado um segundo que seja frente à mudança para o sinal verde.