Diário – 12 horas num trem chinês

Por johanna nublat

Troquei uma viagem de 2h30 de avião por um trajeto de 12h02 de trem entre Shenzhen (a fronteira chinesa com Hong Kong) e Xangai.

Das 10h45 às 22h47 de ontem, parei em 27 cidades antes de chegar a Xangai, num trem que andava a pouco mais de 200km/h (os trens mais rápidos por aqui circulam a cerca de 300km/h, mas não havia a opção nesse trecho).

Viajar de trem é uma autêntica experiência chinesa. No meu vagão, por exemplo, eu era a única estrangeira. Em toda a viagem, só vi mais dois gringos.

Digo autêntica porque é possível ver os chineses relaxados, comendo (muito), vendo vídeos, mexendo no celular, conversando, dormindo, brigando, chorando, roncando… ou seja, é uma oportunidade para bisbilhotar a cultura por muitas horas e de muito perto.

Em resumo, a viagem:

10h45 – A entrada no trem é uma confusão, com todo mundo querendo guardar as malas ao mesmo tempo e com pouco espaço para as bagagens grandes. Como sempre, o trem sai pontualmente. Pouco depois, uma funcionária passa vendendo potes pequenos de Häagen-Dazs.

Vista do trem na província de Guangdong mostra uma passageira olhando para o mar
Vista do trem na província de Guangdong (Johanna Nublat/ outubro de 2015)

11h45 – De repente, o trem se aproxima do mar, numa vista inesperada –sobretudo para quem está desacostumado de ver céu azul e dias bonitos. Morros de um lado, casas pequenas e tanques (de peixes?) de outro. A funcionária passa vendendo marmitas para o almoço. Quem não está dormindo está grudado no celular.

12h58 – O trem deixa para trás cidades pequenas e entra em uma cidade grande, com porto. A funcionária passa recolhendo o lixo do almoço num saco de lixo. Alguém ronca alto.

13h53 – Parados em uma estação. Mesmo em cidades modestas, as estações chinesas costumam ser grandes, de pedra (mármore/granito) e imponentes no seu estilo comunista. Para alegria de todos, desce o passageiro que roncava alto. A essa altura, respirar dentro do banheiro é para os fortes.

14h44 – Todos estão acordados e lanchando (pães e frutas). Já tem gente de pé no fundo dos vagões, esticando as pernas e carregando os celulares na porta do banheiro. A vendedora de sorvetes passa de novo, seguida por uma funcionária que varre o chão. O trem passa por mais uma cidade grande e por uma espécie de parque com castelos.

15h49 – Estamos em uma cidade de médio porte, plana. Parte das casas tem telhado tradicional, pontudos. A outra parte não é bonita. Vemos tudo sob uma luz do sol amarelada (já escurece cedo nessa parte da China). Os passageiros conversam, passa um carrinho vendendo bebidas.

16h38 – O trem passa por uma paisagem frequente no país: dezenas de prédios residenciais altos em construção. Nesse caso, conto mais de 30 gruas trabalhando em um aglomerado de edifícios quase prontos. Ao lado, mais de 40 outros iguais já estão terminados.

17h40 – Já é noite fora do trem; dentro temos aquela luz branca desagradável. Todos estão cansados, e o trem está quieto.

18h25 – Parados em Wenzhou, temos a maior renovação de passageiros durante a viagem. Eles entram “frescos”, enquanto os passageiros originais não querem pensar que ainda faltam mais de 4 horas até o fim da viagem.

19h25 – A funcionária passa vendendo pipoca de microondas já estourada. Não parece fazer muito sucesso. O cup noodles e as garrafinhas de chá são mais populares.

22h47 – Finalmente, chegamos. O trem está só 60% cheio. Talvez pelo cansaço geral, ninguém sai correndo de forma afobada, como costuma acontecer aqui no fim de viagens de trem ou avião.