Diário de viagem – trufas na China

Por johanna nublat

Eu pousei em Kunming, capital da província de Yunnan, em uma segunda-feira no início de novembro.

Era minha primeira viagem à “cidade da eterna primavera”, no sudoeste chinês, terra de uma gastronomia particular e bastante famosa no país: comida apimentada, com uma enorme variedade de cogumelos e pratos mais leves e coloridos –o que a diferencia muito da pesada culinária de Pequim, por exemplo.

Ali meu objetivo era um tanto inusitado: procurar trufas.

A caçada às trufas fez parte de uma viagem mais ampla, que me levou a três regiões do país em busca dos ingredientes mais desejados da gastronomia internacional: trufas, vinho e caviar. No caso, todos “made in China”.

A Folha publicou, nesta quinta-feira (26), duas matérias sobre a rica empreitada, uma sobre os ingredientes e outra sobre a viagem em si.

Até semanas atrás, eu desconhecia as trufas chinesas. Não é um ingrediente que costuma estar presente no cardápio nacional e nem algo com que se esbarre com frequência nos supermercados.

Segundo me disse Serko Wang, um chinês de Xangai que comercializa as trufas de Kunming, o mercado doméstico para as trufas está crescendo, mas a maior parte das vendas dos últimos anos teve foco na exportação (no caso dele, para Alemanha, Espanha e França) e nos restaurantes ocidentais.

“A tradição chinesa não conhece a trufa, usa para dar para os porcos. Estamos tentando desenvolver receitas para nossos clientes chineses. Agora descobriram o tesouro e o negócio está feito”, diz ele.

Quem procurar sobre as trufas chinesas na internet vai encontrar muitos europeus bravos com elas. Muitos denunciam que o ingrediente chinês, mais barato, tem menor sabor e perfume e é indevidamente misturado às preciosas trufas francesas e italianas.

Acompanhei alguns agricultores na caça às trufas em uma mata de um pequeno vilarejo de Yuxi, cidade colada a Kunming. Wang explica que a trufa ali é selvagem, a Tuber indica. Um quilo do alimento é vendido a mais de R$ 1.000 no varejo.

A melhor época para retirar as trufas da terra, em Yuxi, é entre janeiro e fevereiro. Antes disso, o risco é colher um ingrediente insosso –a que eu provei lá, retirada da terra em novembro, deixaria os franceses e italianos bravos com razão.

Trufas colhidas em Yuxi, cidade próxima a Kunming
Trufas de um vilarejo da cidade de Yuxi, próxima a Kunming (Edmond Ho/ divulgação)

Wang conta que a terra que visitamos é livre para que qualquer pessoa procure pelas trufas, o que faz com que elas sejam recolhidas pelo primeiro que aparece e não dá o tempo adequado para o amadurecimento.

Terrence Crandall, chef executivo dos restaurantes do hotel cinco estrelas Peninsula Shanghai, diz que começou a usar as trufas de Yunnan há cerca de um ano, inicialmente pela dificuldade de importação do ingrediente europeu. Apesar da pressa na caçada, quando retiradas da terra no momento certo, continua o chef americano, elas são, sim, saborosas.

“A qualidade está melhorando, estão aprendendo a época certa de colher. O desafio parece ser esse”, diz ele.

Mata de vilarejo em Yuxi, cidade próxima a Kunming, onde podem ser encontradas trufas
Mata de vilarejo em Yuxi, cidade próxima a Kunming, onde podem ser encontradas trufas (Johanna Nublat)

Em Yuxi, caçar trufas é uma atividade econômica complementar e fica concentrada a uma época do ano apenas. A maior parte da renda dos agricultores vem mesmo do que eles plantam na terra, como legumes e frutas, e dos famosos cogumelos de Yunnan.

Visitamos a casa de Mao Xinping, 44, que tinha guardadas na geladeira algumas cestas de trufas encontradas nos dois dias anteriores a nossa visita. Perguntei se a família comia as trufas e como comia. Ele disse que, sim, comem quando têm vontade, e que cortam em fatias e refogam com pimenta chili.

Trufas de Yunnan podem custar mais de R$ 1.000 o quilo no varejo
Trufas de Yunnan podem custar mais de R$ 1.000 o quilo no varejo (Edmond Ho/ divulgação)

O chef Terrence, do Peninsula, nos serviu um jantar ao final de uma semana de viagem, quando voltamos a Xangai, ponto de partida e de chegada dessa inusitada exploração gastronômica.

A trufa de Yunnan foi uma bela surpresa na sobremesa do jantar: um sorvete de avelã e trufa, com espuma de chocolate e um toque de cacau. Aquela trufa, madura, tinha sabor.

Trufas de lado, a viagem também foi uma bela oportunidade para conhecer a enorme variedade de cogumelos da região, servidos refogados com carnes e legumes ou em sopas. Me marcou, em especial, uma sopa de cogumelos com caldo de frango, servida dentro de um bule.

Nos próximos dias, vou contar aqui no blog sobre os outros trechos dessa viagem, que me levou à nova região produtora de vinhos da China (Ningxia, ao Norte do país) e atrás do caviar nacional.

Duas das fotos usadas nesse post foram cedidas pelo fotógrafo Edmond Ho, via o hotel Peninsula Shanghai (que me fez o convite para toda essa viagem). Edmond é um fotógrafo baseado em Cingapura,  do Jambu Studio.