Diário de viagem – o novo vinho chinês

Por johanna nublat

No início de novembro, eu embarquei em uma inusitada viagem por três regiões da China, em busca de alguns ingredientes de destaque na gastronomia internacional: a trufa, o vinho e o caviar. No caso, todos “made in China”.

Num post anterior, falei sobre a primeira perna dessa aventura, a ida à província de Yunnan, em busca das trufas. O relato completo foi publicado pela Folha, na semana passada.

Nosso destino seguinte era o Norte do país, na região autônoma de Ningxia, de onde andam saindo os vinhos mais premiados da China –vieram dessa região 36 das 43 medalhas concedidas à China no prêmio Decanter Asia Wine Awards 2015.

Com a proximidade do inverno, os vinhedos temporariamente são enterrados no Norte da China
Com a proximidade do inverno, as videiras são temporariamente enterradas no Norte da China (Edmond Ho/ divulgação)

Deixamos a agradável Kunming (capital de Yunnan), no sudoeste chinês, para chegar numa fria e nublada Yinchuan (capital de Ningxia). A temperatura no Norte cai tanto durante o inverno, que as videiras precisam ser enterradas até que as temperaturas voltem a subir na primavera.

Yinchuan é uma cidade de avenidas largas, prédios novos imponentes e alguns bons hotéis. Um dos planos do governo local, desenvolvido nas últimas duas décadas, é aproveitar as terras para a produção de vinho.

Segundo me disse Hai Liu, proprietário da vinícola Legacy Peak, 74 empreendimentos já têm registro para produzir vinho na região, e outros 40 já estão em construção.

Os vinhos de Liu chegaram ao mercado, pela primeira vez, no ano passado. Hoje eles produzem três rótulos: um chardonnay, um cabernet sauvignon e um cabernet sauvignon com merlot. Em 2014, produziram 30 mil garrafas, mas pretendem dobrar a quantidade com o que estão fabricando este ano.

A família de Liu foi uma das pioneiras na plantação de cabernet na região, há 18 anos, com incentivo do governo e uvas importadas da França. Só em 2010, no entanto, ele resolveu parar de vender as uvas e começar a produzir seu próprio vinho.

Liu se aliou ao francês Edouard Duval, que tem uma importadora de vinhos em Xangai e é da família que produz o champanhe Duval-Leroy na França. Duval ajudou com o blend, os belos rótulos do vinho e é quem controla as vendas na China e, a partir desse ano, a exportação do Legacy Peak para Hong Kong e Europa.

Duval conta que a produção nacional de vinhos é majoritariamente focada no mercado doméstico, “que ainda quer as grandes marcas”. “É um desafio [atrair o chinês para o vinho nacional], é preciso convencer que agora há vinhos de boa qualidade.”

“O mercado na China só começou. Queremos orientar o consumidor chinês para o bom vinho”, concorda Emma Gao, proprietária da vinícola Silver Heights, uma das primeiras a chamar atenção para a região de Ningxia.

Antes de Liu ou Gao, no entanto, a região ganhou destaque na produção de vinhos em 2011, quando a vinícola Helan Qingxue alcançou o prêmio mais alto da Decanter, algo inédito para o país, com o vinho Jiabeilan Grand Reserve 2009. Foi quando Ningxia apareceu aos olhos do mundo.

Apesar desse crescente reconhecimento, realmente os vinhos chineses ainda são marginalizados nos cardápios dos restaurantes por aqui. Uma vez, quando perguntei pelo vinho nacional em um bom restaurante italiano em Pequim, ouvi como resposta que “ali, só havia vinhos bons”.

Outro porém a ser resolvido é o preço; o vinho chinês ainda é caro em comparação com os importados, explica Jean-Claude Terdjemane, sommelier do hotel cinco estrelas Peninsula Shanghai. O hotel foi o primeiro estabelecimento de destaque a incluir o Legacy Peak em sua carta de vinhos –lá, o cabernet com merlot é vendido pela taça a cerca de R$ 116.

Terdjemane me disse que é prioridade para o hotel servir bons vinhos chineses, que são bem recebidos principalmente pelos clientes estrangeiros. Ele ressalva, no entanto, que é preciso saber triar bons de ruins. “Parece ‘o Eldorado’: quando algo vai bem na China, todo mundo quer fazer.”

Senti muita falta, em Yinchuan, de uma estrutura das vinícolas para receber os turistas, sobretudo os estrangeiros. Seria uma grande viagem descer na cidade para fazer o tour dos vinhedos, comer o excelente carneiro da região –que tem importante população de muçulmanos chineses– e aproveitar a bela vista das montanhas Helan.

Liu, da vinícola Legacy Peak, me disse que poucos empreendimentos estão abertos para o turista –e eu diria que, para o estrangeiro que não fala chinês, a viagem é uma empreitada mais que difícil. Quem sabe para o futuro?

A imagem que uso nesse post é do fotógrafo Edmond Ho, do Jambu Studio, em Cingapura. Foi cedida via o hotel Peninsula Shanghai, que me convidou para a viagem.