Até o início do século passado, os homens chineses tinham atração por pés pequenos. Mas muito pequenos: de até dez centímetros.
Eram os “lírios dourados de oito centímetros” ou “pés de lotus”, conseguidos por meio de uma prática milenar e dolorosa em que os ossos dos pés de meninas bem pequenas (dois anos de idade por exemplo) eram quebrados. Os pés eram, então, enfaixados de forma bem apertada e colocados em sapatinhos coloridos e bordados.
Para a vida toda, essas meninas e mulheres caminhariam sem estabilidade e com dor, teriam que trocar as faixas e retirar partes de carne morta dos pés.
“Não apenas se considerava erótica a visão de uma mulher cambaleando sobre pés minúsculos, mas os homens se excitavam com eles, sempre ocultos sob sapatos de seda bordada. As mulheres não podiam retirar as faixam nem quando já estavam adultas, pois os pés recomeçariam a crescer. A faixa só podia ser afrouxada temporariamente à noite na cama, quando elas calçavam sapatos de sola mole. Os homens raramente viam nus os pés enfaixados, em geral cobertos de carne podre e malcheirosos quando se retiravam as faixas”, conta a autora Jung Chang, no livro “Cisnes Selvagens”.
Até a segunda década do século passado, quando a prática foi proibida na China, mulheres de “pés grandes” poderiam ter grande dificuldade para se casarem, o que fazia com que mães e avós obrigassem as meninas a enfrentar tamanho sofrimento.
O que parece tão ultrapassado incrivelmente ainda está vivo nas cidades chinesas. Em um trabalho recente, a fotógrafa inglesa Jo Farrell documentou algumas dezenas de sobreviventes dos pés enfaixados que moram no país –muitas vezes, presas em casa pela idade e pela dificuldade extra de locomoção.
Algumas das fotos da inglesa, impressionantes, podem ser vistas nessa matéria do “The Guardian”.
Um estudo publicado em 1997 no “American Journal of Public Health” avaliou os pés de 193 mulheres com 70 anos ou mais que moravam nos distritos centrais de Pequim. Do grupo de mulheres com 80 anos ou mais, 38% tinham os pés enfaixados; entre as com idades entre 70 e 79 anos, o percentual caía para 18%; e 33 das 193 mulheres tiveram os pés enfaixados quando crianças, mas eles foram liberados das faixas ainda cedo na vida delas.
Um vídeo curtinho no site do “The Telegraph” mostra uma senhora de 95 anos, em Pequim, cambaleando sobre seus pés pequenos e contando diretamente sua experiência.